sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Educação, territórios e (des)igualdades

Falar de territórios é abordar sobretudo o modo como criamos fronteiras, consagramos afiliações e distâncias, mas igualmente o modo como nos definimos a nós próprios, como representamos o mundo, reconstruímos o passado, organizamos o presente e projectamos o futuro. Falar de educação implica, inevitavelmente, recorrermos a estes mesmos sentidos e pressupostos. Estabelece-se, então, uma relação complexa, problemática, inexorável: a educação e o território são necessariamente situados e constituem uma construção simbólica partilhada, bem como invocam processos de socialização.
Durante muito tempo, em países como Portugal, este vínculo foi naturalizado e sublimado por uma educação que, sob o desígnio da unidade nacional, se propalava pelas províncias mais remotas desde os arbitrários gabinetes da capital. Ao calcar identidades, subjectividades, necessidades e aspirações locais ou regionais, ao mesmo tempo que estendia um véu mistificador sobre realidades e movimentos internacionais, circunscrevia campos de possibilidades e legitimava modos de dominação sócio-espacial e simbólica. As salas de aula e os manuais escolares eram ordenados por um mapa único, sublinhando os contornos do ensejo patriótico. Era uma escola autista e autoritária, apenas aparentemente justa porque igual para todos, orgulhosa e fechada sobre si própria, espelho e bastião do regime político que a administrava.
Ruínas deste imaginário permanecem nos alicerces do sistema educativo, mas coexistem hoje com uma miríade de outros territórios e outras propostas educativas em busca de afirmação. Assim como o campo educativo tem lutado pelo seu reconhecimento, enquanto espaço de saberes e instituições, agentes e movimentos, também o trabalho escolar tem sido reclamado como elemento fulcral de inúmeras agendas locais, regionais, nacionais e globais. Das creches às universidades, os mapas e itinerários tornaram-se então múltiplos e contraditórios, reflectindo os destinos de uma escola e um Estado-nação que se pretendem democráticos, abertos, modernos, plurais, e que, por isso mesmo, se fazem e desfazem em negociações constantes, atravessando sucessivas crises de identidade e legitimidade.
Enquanto a administração, sob fogo cruzado, busca formas internacionais de integração e legitimação, reconhece também que cada escola está integrada num espaço local específico e deve responder às demandas da sua comunidade. Perante a falência das grandes reformas nacionais, transferem-se direitos e deveres, tensões e esperanças, para o plano da acção local, envolvendo (e responsabilizando) os actores na construção do seu projecto educativo, adequado ao seu território. Afirma-se que a educação não é monopólio da escola, mas que implica todas as instituições sociais, desdobrando-se em dispositivos formais e informais, pelo que se apela a um trabalho de diálogo e integração, rumo à formação de territórios educativos.
Estas transformações de fundo no campo educativo devem sujeitar-se à análise e crítica propriamente sociológicas. Que implicações têm na gestão escolar, nas formas curriculares, nos guiões docentes, nas práticas pedagógicas, nos modelos de avaliação, nas identidades e subjectividades juvenis? Que territórios inspiram a (e são reconstruídos pela) escola actual? Que projectos educativos emergem a nível local e sob que estruturas de poder? Que espaços continuam a existir para a diversidade e as diferenças?
E como se está a gerir, neste novo xadrez educativo, a tensão entre o universal e o particular? Tratar-se-á de um estádio mais sofisticado do sistema público ou de um convite à sua apropriação por interesses privados? Estará o enfoque territorial a reduzir as assimetrias sociais ou a criar novos focos de desigualdade e exclusão? Como proteger e promover a igualdade de oportunidades e a justiça social, perante a diversidade de modelos territorializados? O reforço desta orientação pedagógica em localidades e bairros marcados por privações várias representa um instrumento necessário para o seu empoderamento, libertando-os do jugo dos inters dominantes, ou, ao invés, um passo adiante na sua exclusão dos valores, recursos e conhecimentos universais, acantonando-os em experiências educativas, também elas, isoladas, empobrecidas, desacreditadas? E o que significa convocar as famílias à participação nos territórios educativos?
Passados dois anos do encontro Contextos Educativos na Sociedade Contemporânea, é em torno desta problemática ampla e actual que pretendemos voltar a reunir os especialistas e interessados na relação entre educação e sociedade, reforçando e alargando o nosso território cognitivo e relacional, envolvendo académicos, técnicos e agentes escolares, com vista à elaboração de perspectivas colectivas que informem as políticas e as práticas no terreno.

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